No dia 1º de novembro é comemorado o Dia Mundial do Veganismo, e cada vez mais pessoas fazem parte desse grupo, que não consome nada de origem animal, seja na alimentação, no vestuário ou qualquer outro produto. Fazem parte dessa lista, inclusive, aqueles testados em animais.
Um levantamento do Ibope Inteligência, de abril de 2018, mostrou que 14% da população brasileira já se declara vegetariana, ou seja, não consome alimentos com carnes. Esse índice representa um total de 30 milhões de pessoas. Nas capitais, a porcentagem de vegetarianos sobe para 16%. Em 2012, o Ibope havia contabilizado 8% nessas áreas, portanto o número de pessoas que deixaram de comer carnes dobrou no período.
A pesquisa do ano passado também revelou que 55% dos entrevistados consumiriam mais produtos veganos se eles estivessem melhor indicados no mercado, e 65% comprariam mais desses produtos se eles tivessem o mesmo preço que os consumidos normalmente.
Nesse contexto, as discussões sobre o veganismo e o vegetarianismo têm ocupado cada vez mais espaço na mídia e nas rodas de conversa. O Dia Mundial do Veganismo acaba sendo uma oportunidade para divulgar ainda mais essas ideias e atingir mais pessoas. É o que acredita Fabio Chaves, criador do Portal Vista-se, que é vegano há 11 anos: “É um dia no ano para sites e jornais que não falariam sobre veganismo começarem a falar. Acho positivo. Além disso, é um momento para avaliarmos o movimento e pensar sobre como tudo está andando.”
O Dia Mundial do Veganismo existe desde 1994, quando foi estabelecido pela então presidente da Sociedade Vegana da Inglaterra, Louise Wallis, na comemoração do aniversário de 50 anos da instituição. Desde lá, vem servindo como um momento para divulgar o veganismo e refletir sobre ele. Entretanto, divide opiniões dentro do movimento. Igor Oliveira, administrador da página Vegano de Quebrada, no Instagram, afirma que não tem certeza sobre o efeito real dessa ação para a causa. “Acho que as megaempresas e grandes corporações que estão de olho no mercado vegano vão querer transformar esse dia em um megadia de consumo”, afirma.
Igor traz em seu perfil a ideia de que o veganismo não tem a ver com uma concepção elitista que, para ele, vem tomando conta do movimento. “Alguns eventos grandes veganos realizados em São Paulo, por exemplo, com palestras e pessoas com conteúdo que poderiam ajudar a propagação, são restritos e com cobranças exorbitantes do ingresso, o que afasta quem mais precisa saber sobre o movimento e quem mais consome carne, derivados e ultraprocessados. A periferia.”
Nessa mesma linha, Eduardo Santos mantém junto ao seu irmão, Leonardo, a página Vegano Periférico. “O veganismo, como a maior parte das causas começou na classe média e na elite. Logo, foi propagada por pessoas da classe média e da elite, com uma comunicação difícil de entender, em sua grande maioria publicadas em inglês. Os restaurantes pela mesma razão são voltados para uma elite intelectual e financeira”, explica. “O acesso hoje, ao veganismo como uma causa é de fato segregado, mas o veganismo em essência é muito mais simples, popular, político e acessível do que se imagina.”
Novo mercado “plant based”
Essa situação de elitização vem acompanhada de uma mercantilização do movimento. Cada dia mais, marcas gigantes e multinacionais anunciam o lançamento de linhas veganas e produtos “plant-based”, o que também é uma questão polêmica dentro do veganismo, já que a maior parte dessas marcas não compartilha dos ideais do movimento e o interesse pelo mercado é o que fala mais alto.
Fábio Chaves acredita que há um lado positivo nesses lançamentos, mas também não se pode perder a verdadeira essência do veganismo. “É importante que quem queira investir no mercado de produtos veganos o faça de forma consciente, de que há várias regras para que um produto seja considerado vegano”, afirma. Porém destaca que a maior oferta de produtos significa que mais pessoas se sentem confortáveis a se tornarem veganas e, assim, menos animais morrem. “Mas eu também acho que nunca podemos esquecer que o principal do veganismo é a filosofia e que é possível encontrar tudo que um vegano precisa em supermercados comuns e na feira”, completa.
De um jeito ou de outro, o veganismo vem chegando a mais pessoas e ganhando mais adeptos. “Com mais informação circulando e mais produtos para facilitar o dia a dia, as pessoas aderem mais”, pondera Fabio.
Eduardo também acredita que, apesar da elitização, o movimento vem alcançando mais pessoas de outras realidades: “Existem bastante coletivos e grupos de amigos e ativistas que estão levando o veganismo pra comunidade onde moram”. Contudo, para ele, ainda está longe do ideal e considera que é importante transmitir a informação de uma forma coerente com a realidade das pessoas, o que muitas vezes não é feito. Igor concorda: “O movimento precisa se politizar cada vez mais, ser mais pé no chão. Parar de usar inglês e uma comunicação acadêmica pra tudo. Facilitar o acesso dos mais pobres em feiras, eventos, palestras, restaurantes, lanchonetes, debates, ações, etc.”
Crescimento nas redes
Nesse processo de disseminação, as redes sociais também são um ponto-chave, como explica Fabio. “A causa é muito coerente e autoexplicativa. Gosto do termo ‘comunicação não violenta’. Precisamos entender o contexto em que as pessoas vivem para adequar o discurso para que a mensagem chegue de forma mais assertiva”, sugere. Igor também enxerga esse papel das redes: “Muitos perfis veganos estão crescendo nas redes sociais o que potencializa a propagação do veganismo, dependendo da classe alvo”.
Uma pesquisa do Sebrae identificou, por exemplo, um aumento na procura por cosméticos orgânicos, naturais, veganos e cruelty-free (livres de testes em animais). Foram monitoradas 2252 mensagens nas redes sociais com termos relacionados ao veganismo. Segundo o estudo, a maior parte dos que comentam (50%) sobre os termos são da geração millenial (nascidos após o início da década de 1980 e até ao final da década de 1990). A rede preferencial (89%) é o Instagram.
A popularização do veganismo e as maiores possibilidades de produtos para se consumir têm feito mais pessoas se sentirem capazes de seguir esse estilo de vida, e, aos poucos, ele parece estar alcançando uma maior diversidade de pessoas. “Eu acho que vai ganhar muitos adeptos [entre pessoas da periferia]”, afirma Eduardo. “O movimento está elitizado atualmente sim, muito. Mas vejo que pode e vai ser diferente.”