(Foto: Burger Bing)

Se vegetariano não gosta de comer carne, por que muitos pratos tentam imitar a carne de animais? Se a ideia é abandonar o carnismo, por que insistir em deixar um substituto da carne no centro do prato, substituindo a proteína animal? Estas são perguntas comuns quando ouvimos falar sobre a tal da carne vegetal, que voltou ao debate com o lançamento de hambúrgueres feitos de plantas que imitam a textura, a cor e o sabor dos seus homônimos que usam carne de animais.

O tema é polêmico, mas eu acredito que possa trazer alguns pontos que ajudam a entender a tal da carne vegetariana.

O primeiro deles é que o consumo de carne tem um âmbito biológico, mas tem, principalmente, um âmbito cultural. Nós aprendemos que comer a carne de animais mortos é natural e a consumirmos desde muito cedo, sem questionar as implicações de seu consumo. Logo, o paladar da carne é familiar para a maioria de nós. Somos acostumados com seu gosto, com sua textura, com seu cheiro, e isso constrói nossa memória afetiva em relação ao que e como comemos.

Quando as pessoas questionam este ciclo e quebram o paradigma sobre a carne (e seus derivados), aderindo ao vegetarianismo (estrito ou ovolacteo), elas continuam com as mesmas memórias afetivas, com as mesmas preferências de sabor e de textura de alimento, com a mesma predileção por alguns pratos e preparações. O que muda é que não se consome mais a carne.

Assim, nada mais natural que vegetarianos e veganos busquem, pelo menos no período inicial de transição, substitutos para a carne na comida e ingredientes alternativos para preparações que já têm um lugar cativo no coração do novo vegetariano.

Surge aí a utilização da Proteína Texturizada de Soja (PTS), conhecida popularmente como carne de soja, a carne de jaca, o seitan (uma massa feita de glúten de trigo), o tempeh (uma massa feita de grãos fermentados como um fungo), o tofu, entre outros. Todos eles têm suas funções nutricionais e culinárias, mas seu uso mais frequente é como substituto de proteína animal. Nesta hora é que as polêmicas ganham força, já que os substitutos ganham, muitas vezes, nomes “emprestados” de seus homônimos, como bife de soja, frango vegano ou coxinha de jaca. Mas como gastronomia é cultura e a cultura está em constante movimento, ressignificar os nomes dos alimentos e preparações é natural.

Mas no fim das contas, qual é o problema de usar este substitutos na alimentação? Nenhum! Ser vegetarino implica unicamente em deixar de consumir proteína de origem animal (e derivados de animais, no caso do vegetarianismo estrito), nada mais. Não há problema em gostar do cheiro, do gosto, da textura da carne. O problema está em consumi-la.

Mesmo porque, a grande maioria das pessoas que aderem a este estilo de vida não o fazem por não gostar de carne, pelo contrário: o fazem por compreender que os direitos dos animais são mais importantes do que nosso prazer alimentar. Assim, buscam substitutos razoáveis para a carne.

É claro que o ideal, não só para vegetarianos, seria retirar a carne do centro do prato e pensar na alimentação de forma mais ampla, usando ingredientes vegetais mais diversos e suas diferentes possibilidades de preparo. Isso melhora nossa alimentação e garante uma maior diversidade nutricional, além de nos obrigar a expandir nossos horizontes culturais na alimentação.

Mas enquanto esta mudança não acontece, já que ela é lenta e gradual, vamos aprendendo a apreciar novos sabores e texturas com o tempo, e continuamos usando substituições para garantir que nossa memória afetiva gastronômica seja preservada, mas sem sofrimento animal.

Jornalista, ativista de direitos humanos, da Terra e dos animais. Co-fundador dos coletivos Palmeiras Livre e Resista SP, é colunista do Portal Veg e apresentador do programa Fórum 21, no canal da Revista Fórum no YouTube.