Por Robson de Souza, publicado originalmente na página Veganagente
Muitas pessoas comemoraram – e até hoje comemoram – uma pesquisa do IBOPE de 2018 que supostamente diz que 14% dos brasileiros já seriam vegetarianos e uma estimativa da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) de que haveria 30 milhões de vegetarianos e 7 milhões de veganos no Brasil. Lamento ter que dizer, mas esses dados são bem enganosos e não deveriam ser compartilhados como uma “prova” do aumento da população veg(etari)ana do país.
O que a pesquisa do IBOPE atestou (conforme a página 19 desse PDF) foi que 8% dos 2.002 entrevistados “concordam totalmente” com a afirmação “sou vegetariano” e 6% responderam que “concordam parcialmente”. Isso partindo daquela definição antiquada de que vegetarianos seriam pessoas que não comem carne e podem consumir ou não outros alimentos de origem animal.
Ou seja, pouco menos da metade dessa parcela se considera apenas “parcialmente vegetariana”, isto é, é comporta por flexitarianos, pessoas que comem carne só de vez em quando e, por isso, mantêm uma alimentação “vegetariana” apenas em parte de suas refeições, não em todas.
Perceba também que, mesmo dos 8% que diziam concordar totalmente que “são vegetarianos”, muitos ali provavelmente comem carnes brancas, ou se acham “vegetarianos” porque raramente comem carne ou porque comem carnes provenientes de fazendas ou granjas bem-estaristas. Afinal, muitas pessoas ainda acreditam leigamente que o vegetarianismo consistiria em não comer apenas carnes vermelhas, ou acham que uma pessoa que só come carne uma vez por semana é “tecnicamente vegetariana”, ou que ser vegano ou vegetariano passa simplesmente por ser contra apenas o “sofrimento desnecessário” na exploração animal.
É improvável que os agentes de pesquisa do IBOPE tenham explicado a todos os 2.002 entrevistados que pessoas que pessoas que consomem “carne feliz” ou raramente comem carne não são vegetarianas. Se isso aconteceu ou não, nem o instituto nem a SVB revelaram.
Além disso, é um problema recorrente em pesquisas sociais uma parte dos entrevistados mentirem exagerando seus comportamentos virtuosos, como esse post (em inglês) aborda. Nesse contexto, uma parcela notável dos supostos vegetarianos podem ter mentido que “concordam totalmente” quando na verdade comem algum tipo de carne.
Portanto, a SVB erra ao dizer, nessa matéria, que 14% dos brasileiros já não comeriam pelo menos carne. Por tabela, a estimativa de que esse percentual representaria quase 30 milhões de brasileiros também é errônea.
E quanto aos supostos 7 milhões de veganos? A SVB, nesse post, justifica, ao estimar esse dado: “Não há pesquisa no Brasil sobre o número de veganos. Porém, podemos considerar a porcentagem de veganos (dentre vegetarianos) em países em que pesquisas recentes foram conduzidas, e assim inferir o número de brasileiros veganos, conforme a seguir:
Nos EUA, cerca de 50% dos vegetarianos (16 milhões de pessoas) se declararam veganos em pesquisa recente do Instituto Harris Interactive; No Reino Unido, cerca de 33% dos vegetarianos (1,68 milhões de pessoas) se declararam veganos (Ipsos MORI Institute).
Se adotarmos a porcentagem mais conservadora (33%), temos que dos 30 milhões de brasileiros vegetarianos, cerca de 7 milhões seriam veganos”.
Só que esse argumento é extremamente frágil e até falacioso, por esses motivos:
– No Brasil e nesses outros países, existem milhões de pessoas que se acham “veganas” mas na verdade são apenas vegetarianas estritas. Afinal, foram convencidas pela mídia, por matérias como essa, de que “veganismo” nada mais seria do que uma dieta livre de alimentos de origem animal;
– As próprias ONGs de “veganismo” liberal daqui e de lá estão enfocando de maneira tão intensiva a abordagem do veganismo como se fosse um mero conjunto de escolhas alimentares, que tornam ainda mais fácil para as pessoas acharem que indivíduos que não comem nada de origem animal, mas consomem de empresas que testam em animais, frequentam rodeios e compram filhotes de cães e gatos, são “veganos” só por causa de sua opção alimentar;
– Além de focar de modo praticamente exclusivo na alimentação, o conceito de “veganismo” propagado pela imprensa e pelos “veganos” liberais, via de regra, exclui a ética anti-especista, a preocupação com a exploração animal fora do âmbito do consumo e o propósito de contribuir para um futuro em que os animais não sejam mais tratados como propriedade dos humanos. Para essas pessoas, ONGs e veículos de comunicação, a pessoa pode ser ao mesmo tempo “vegana”, especista e, em alguns casos mais bizarros, até anti-vegana.
Ou seja, essa população de sete milhões, se fosse legítima, não estimada a partir de dados duvidosos, seria apenas de vegetarianos propriamente ditos, pessoas que não consomem nenhum alimento de origem animal. Nunca de veganos por definição, pessoas que, além de não consumirem nenhum produto de origem animal, boicotam empresas que testam em animais, evitam entretenimento especistas, repudiam o tratamento de animais como objetos e mercadorias, abominam o especismo e defendem sua erradicação, etc.
Por todos esses problemas, posso dizer com propriedade: esses três dados – de haver 30 milhões de vegetarianos e 7 milhões de veganos no Brasil e 14% dos brasileiros serem vegetarianos – não são verdadeiros. Mesmo se interpretados como meras estimativas, passam longe de corresponder à realidade. A população realmente vegetariana e vegana ainda é muito menor do que se estima, e nenhuma pesquisa confiável até hoje conseguiu estabelecer quantos brasileiros realmente pertencem a essas categorias.
Portanto, peço que evitem usar tais estatísticas como sinais de que a população vegana e vegetariana brasileira seria tão grande – porque na verdade não é.
*Robson Fernando de Souza é blogueiro do Veganagente e Consciência Autista. Autor de 3 livros sobre veganismo. Vegano político e autista aspie militante.