Foto: Instagram/@rayneon

Raissa Galvão, conhecida como Ray Neon, é uma youtuber e influencer militante do movimento gordo. Sua página no Instagram tem mais de 220 mil seguidores e seu canal no Youtube, 90 mil inscritos. No processo de buscar quebrar estereótipos sobre o corpo gordo, Ray também se envolveu com o movimento vegano e investiu em conversas sobre o veganismo e a alimentação, relacionados à sua vivência. O Portal Veg conversou com ela para tratar dessas questões. 

Portal Veg: Em seu canal e nas suas redes, você questiona padrões estéticos e também compartilha suas vivências. Como surgiu a ideia e como conseguiu chegar onde está hoje?

Ray Neon: Eu sempre fui gorda e eu fui sempre criada na internet, no computador, no Orkut. Com 15 anos resolvi criar um blog, porque eu gostava muito de brechó, de bazar, e eu fazia grande parte das minhas roupas, customizava e tal. E eu queria registrar isso de alguma forma, ajudar as outras pessoas, porque na escola sempre me pediam dicas, e eu queria deixar isso mais democrático. No meu Ensino Médio, as pessoas já eram mais legais comigo, mas no Ensino Fundamental, eu não tinha muitos amigos na escola, então a internet era o meu refúgio. As pessoas na internet sempre foram muito legais comigo, e era assim que funcionava. E aí as coisas foram acontecendo, até que, quando eu entrei na faculdade de moda, decidi parar com o blog, porque eu tinha parceria com algumas marcas que eram gringas e vinham da China. Eu comecei a questionar muito sobre como a indústria da moda funcionava, sobre a geração do consumo, etc. Eram coisas que, no Ensino Médio, eu não pensava sobre, eu só pensava “olha que legal, roupa!”. E, hoje em dia, consigo entender que o consumo é muito diferente. Assim que eu entrei na faculdade, com 18 anos, eu larguei o blog, e meu Instagram foi dando certo, alguns anos depois. Foi muito doido, foi muito orgânico. Acho que quando eu não esperava que desse certo, as coisas deram certo. E agora são 8 anos já criando conteúdo para internet.

Portal Veg: Como você entrou em contato com o veganismo e qual foi o processo que te levou a aderi-lo?

Ray Neon: Com 15 anos eu me tornei ovolactovegetariana, e eu fiquei assim durante dois anos, até entrar na época do vestibular. E aí eu já não consegui por conta da rotina: eu ficava o dia inteiro na rua, e eu não tinha dinheiro para comer, então eu comia o que a escola dava, e, às vezes, não tinha opção sem carne. Então acabei voltando a comer carne, e, quando eu entrei na faculdade, eu comecei a pensar “por que eu ainda como carne? Se eu tinha voltado por causa da rotina, mas agora eu posso parar?”. Eu decidi fazer aquela ideia de “Mudança de Hábito”, ficar 25 dias sem comer carne. Na época eu saía com um garoto que era vegetariano, quase todos os meus amigos eram vegetarianos, então eu vi que seria muito mais fácil do que quando estava no Ensino Médio.

Um dia eu vi todos os documentários sobre veganismo possíveis na internet, e eu não conseguia mais comer nem queijo, nem nada, que eu sentia nojo. Então os 25 dias se tornaram um ano e meio.

Portal Veg: Há alguns meses, você voltou a uma dieta vegetariana não-estrita. O que levou a essa mudança? Pretende retornar ao veganismo em algum momento?

Ray Neon: É um processo muito difícil ainda para mim, hoje eu não consigo mais falar disso tão tranquilamente quanto antes. Quando era vegana, eu tinha um propósito muito maior. Eu larguei veganismo quando fiquei doente – não por causa do veganismo –, perdi grande parte da minha visão. Ainda estou descobrindo o que é, não é diabetes, que foi a primeira coisa que muita gente falou, só por eu ser gorda. A primeira coisa que os médicos começaram a falar, depois da ideia do diabetes, foi que podia ser o veganismo. Eu fiz todos os exames, e tava ótimo, eu já era vegana há um ano e meio, mas no hospital não tinha o que comer, e fui me tornando ovolactovegetariana. Acabei entrando em depressão, e eu tive bulimia, então foi muito difícil conseguir manter o veganismo, e até mesmo o ovolactovegetarianismo, para mim tá sendo muito difícil. Mas, estou tentando me esforçar e dar o meu máximo. A alimentação muda muito a nossa vida, e quando eu não como bem eu não tô bem e vice-versa. Então a minha vida está um pouco confusa em relação a isso, acho que eu fiquei muito insegura.

(Foto: Instagram/@rayneon)


Ultimamente, tem sido muito difícil, principalmente em relação à minha saúde mental. Acho que é muito complicado você focar numa alimentação quando você mesmo ainda está mal. Mas eu sempre tento pensar, pelo menos em relação à carne, porque eu sei que se eu comer vai me fazer muito mal. Então eu prefiro me manter como ovolacto [vegetariana], mas, mesmo assim, eu não me sinto ainda muito confortável comendo ovo ou queijo.

Acho que a vida como vegana era muito mais fácil. Porque quando você tem realmente um propósito, e está mais envolvida na causa, você não sente vontade de comer leite ou queijo, essas coisas. Quando eu fui me desprendendo da causa, me desprendendo do propósito, eu fui voltando a ter vontade. E eu fico analisando muito isso. Eu preciso de um momento, mas estou muito no processo para voltar a ser vegana, porque eu era uma pessoa muito melhor comigo mesma. Sentia não só o impacto no mundo diferente, mas em mim, na minha saúde, na minha disposição, na minha conexão comigo mesma.

Portal Veg: Você sente que havia um estranhamento muito grande das pessoas quando falava que era vegana? Por que acha que isso acontecia?

Ray Neon: O que mais acontecia era as pessoas perguntarem se as outras estranhavam o fato de eu ser vegana e gorda. Acho que, normalmente, as pessoas que perguntam isso estão estranhando, mas elas não falam diretamente “você é vegana e você é gorda?”. Eu nunca ouvi isso de nenhum vegano ou de nenhuma outra pessoa, mas eu escutava muito “as pessoas perguntam isso?”. Acho que é muito mais por uma questão social que as pessoas não perguntavam, por educação, ou por saber que eu daria uma resposta, porque eu sou militante do movimento gordo.

As pessoas não questionavam tanto o fato de eu comer saudável e me manter gorda, porque eram mais pessoas do meu convívio social, que já me conheciam. Na internet, eu tentava sempre mostrar o que eu estava comendo, para exatamente quebrar esse estereótipo de que gordo só come mal, só come besteira, quando não é! Eu sou gorda porque eu como muito, e por diversos fatores do meu corpo, mas eu como muito saudável, meus exames sempre estiveram ótimos em relação à alimentação. Então é isso que eu fico me atentando e tento quebrar esse paradigma, esse preconceito que as pessoas têm com o corpo gordo.

Foto: Instagram/ @rayneon

Portal Veg: Dentro do movimento do veganismo, sentia muito preconceito? Pode narrar alguma situação em que sofreu com a gordofobia?

Ray Neon: Do movimento vegano mesmo, eu acho que não. Inclusive, eu conheci várias pessoas gordas que eram veganas. Acho que é como tudo na vida: você pode escolher ser a pessoa legal. E quase todo mundo que eu conheci dentro do veganismo eram pessoas legais. Eu escutava muito mais de quem era vegetariano, que não comia certas coisas, era vegetariano para emagrecer. Isso eu achava um pouco pesado. Mas no veganismo, não. Acho que porque eram pessoas com muito propósito, se não fosse animal, era por causa ambiental.

Portal Veg: Acha que ser vegano necessariamente significa ser saudável?

Ray Neon: As pessoas acham que vegano come só salada e é magro, uma pessoa good vibes, que faz yoga, se exercita, acorda cinco da manhã para aplaudir o sol. E você pode ser esse tipo de vegano, mas você pode ser um vegano que mora na cidade, pega o ônibus, ou que quer acordar meio-dia; e você pode ser vegano comendo biscoito, como você pode ser vegano comendo só salada.

Gabriella Sales
Estudante de Jornalismo na ECA-USP e estagiária na Redação do Portal Veg.